O conhecimento dos fabricantes de moldes foi adquirido através de experiência prática, sendo esta traduzida num conjunto de regras empíricas para projeto e fabrico dos moldes. Por esta razão, é prática comum sobredimensionar as ferramentas moldantes de forma a garantir os requisitos estruturais de durabilidade e tempo de ciclo exigidos ao longo do seu ciclo de vida produtivo. Esta prática conduz a ferramentas moldantes com materiais com propriedades e/ou dimensões superiores ao necessário e, consequentemente, com maiores custos associados à matéria-prima, às operações de fabrico da ferramenta e à sua operação ao longo da etapa produtiva.
No âmbito do Projeto DDS – Desenvolvimento de Nova Geração de Ferramentas com Base em Regras Científicas para o Desempenho e Sustentabilidade – foram realizados um conjunto de estudos para determinação de regras de projeto adequadas de forma a garantir um correto desempenho da ferramenta moldante. O caso de estudo aqui apresentado corresponde ao dimensionamento do vão não suportado da chapa da bucha/macho.
A estrutura de uma ferramenta moldante é constituída por um conjunto de chapas que permitem materializar a peça polimérica e extraí-la e suportam os esforços impostos durante o processo de moldação por injeção. Do lado da extração, existe um vão no qual trabalha o sistema de extração. Após o arrefecimento da peça polimérica, o conjunto de extração avança, de modo a empurrar a peça para fora do molde. Este vão, criado através da utilização de calços laterais, é essencial para o funcionamento do molde, no entanto faz com que, tipicamente, a zona central do mesmo (zona esta onde são impostos os maiores esforços) não esteja apoiada. Desta forma, é na zona central que ocorrem as maiores deformações durante o processo de injeção, pelo que o correto dimensionamento da espessura da chapa e a colocação de suportes é vital para se obter uma peça sem defeitos. Este tipo de deformação pode também ser visível, por exemplo, do lado da injeção no caso da utilização de sistemas de alimentação por bicos quentes, uma vez que, para colocação do sistema, é necessário abrir um conjunto de rasgos que podem fragilizar a estrutura.
O presente caso de estudo tem como objetivo analisar a deformação devido ao processo de injeção, de forma a determinar qual a espessura da chapa e espaçamento máximo entre apoios de modo a evitar deformações excessivas na ferramenta moldante. Numa fase inicial foi desenvolvida uma ferramenta laboratorial de forma a medir os deslocamentos experimentais de uma ferramenta moldante quando sujeita à pressão de injeção. Seguidamente, com base nos resultados experimentais, foi criado e validado um modelo numérico com base no Método dos Elementos Finitos. Este modelo foi construído de forma parametrizada de modo a estudar a influência de vários parâmetros geométricos no desempenho da ferramenta moldante, permitindo criar uma base de dados com os resultados obtidos. Finalmente, esta base de dados foi utilizada para treinar vários modelos de Machine Learning (ML) para representar o comportamento do molde, com o objetivo de criar uma ferramenta de projeto de moldes de fácil utilização.
DESENVOLVIMENTO EXPERIMENTAL
Na atualidade, impulsionada pela era dos dados, o Machine Learning (ML) emergiu como uma ferramenta poderosa que aproveita as vastas quantidades de informação disponíveis. Este método computacional apresenta um requisito crucial: os dados. Os dados são a força vital que alimenta os algoritmos de ML e lhes permite aprender, adaptar-se e melhorar ao longo do tempo. Sem um conjunto de dados robusto, os modelos teriam dificuldade em fazer previsões assertivas ou fornecer resultados significativos [1].
Para a obtenção de dados necessários à calibração dos modelos desenvolvidos neste estudo, desenvolveu-se um sistema de monitorização composto por sensores de pressão, temperatura, deformação, deslocamento e ainda por um acelerómetro que permite, por exemplo, detetar vibrações ou movimentos do molde. Estes sensores foram colocados no dispositivo experimental tal como é apresentado na Figura 1.
Para medição da pressão e temperatura no interior da cavidade do molde, selecionou-se o sensor 6190CA (Kistler), um sensor comummente utilizado na indústria de moldes e referenciado na literatura [2]. Este sensor permite medir as duas grandezas através de uma única furação, o que diminui o impacto da sua colocação no molde. Este dispositivo integra um transdutor piezoelétrico no que diz respeito à pressão, e de um termopar tipo K para medição da temperatura. O acelerómetro selecionado foi o IAC‑I‑03‑2g-1000-1 05m (Micromega), que permite medir acelerações em três eixos perpendiculares entre si [3]. O sensor de deformação eleito foi o SLB700A/06VA1 (HBM). Este sensor, quando fixado numa das faces do molde, permite medir a deformação da mesma, uma vez que se trata de um extensómetro. Para medir deslocamentos selecionou‑se o sensor DT3001-U4-M-C6 (Microepsilon) que permite medir a distância entre as duas placas do molde. A aquisição de todos os sinais dos sensores já descritos e a sua respetiva comunicação para o computador principal é feita digitalmente utilizando o conversor analógico-digital ADAM-6017 (Advantech), o qual permite transferir dados através do protocolo ModBus ou MQTT. O sistema de monitorização proposto possui ainda, na sua arquitetura, uma base de dados para armazenamento dos valores lidos pelos sensores de forma estruturada, e ainda um servidor web, o qual disponibiliza ao utilizador final uma interface gráfica e de fácil utilização, para uma eficiente gestão e fácil visualização de todos os dados e configurações do sistema. Os sinais adquiridos pelo sistema de monitorização desenvolvido, durante um ciclo de injeção utilizando o dispositivo experimental ilustrado na Figura 1, estão apresentados na Figura 2.
MODELO NUMÉRICO PARA CRIAÇÃO DE BASE DE DADOS
Como referido anteriormente, o presente caso de estudo pretende determinar qual o deslocamento obtido na chapa da bucha/macho em função da pressão de injeção e distância máxima entre apoios. Apesar de existirem equações analíticas para prever este deslocamento, estas não contemplam efeitos complexos resultantes, por exemplo, do contacto entre chapas, força de fecho e deformação dos suportes e chapas de aperto, entre outros. Assim, foi criado um modelo numérico, com base no Método dos Elemento Finitos, cuja malha é apresentada na Figura 3, de forma a determinar a resposta da estrutura quando sujeita à pressão de injeção. O modelo inicial foi validado recorrendo aos ensaios experimentais anteriormente descritos. Após esta validação, foi criada uma parametrização da geometria, de forma a poder criar uma base de dados para posterior tratamento. Foram considerados como parâmetros de entrada a pressão de injeção, o vão entre apoios e a espessura da chapa da bucha/macho. Cada um destes parâmetros foi variado dentro de um determinado intervalo, tendo sido corridas um total de 68 simulações numéricas. Para cada uma destas simulações foi determinado o deslocamento máximo da chapa da bucha ao centro, onde ocorre a maior pressão de injeção.
IMPLEMENTAÇÃO DE MODELOS DE MACHINE LEARNING
Machine Learning (ML) é uma subárea da Inteligência Artificial em que são utilizados algoritmos de forma a imitar a forma como os seres humanos aprendem, permitindo determinar as relações entre as diversas variáveis consideradas. Para a implementação de modelos de ML, os dados correspondentes aos ensaios foram divididos em dois conjuntos: treino (75 %) e teste (25 %). Os dados de treino foram utilizados para treinar os modelos de ML, usando a técnica de k-fold cross validation, com k igual a cinco. Os dados de teste são utilizados para avaliar o desempenho do modelo de ML quando alimentado com dados que este nunca analisou [4]. Os valores obtidos para o coeficiente de determinação R2 para os dados de treino e teste para cada um dos algoritmos, após otimização dos hiperparâmetros, são dados na Tabela 1. O R2 é uma medida estatística usada em modelos de regressão que indica o quão bem os valores observados se ajustam aos valores previstos pelo modelo, variando entre 0 e 1, sendo 1 o indicador de que o modelo explica perfeitamente a variação nos dados. Como se pode observar, o algoritmo que apresentou um desempenho superior foi o AdaBoost, tanto durante a fase de treino como na fase de teste. Para este algoritmo, a diferença entre os resultados de treino e teste não são muito significativos, o que implica que o modelo não deverá sofrer de efeitos de over-fitting.
Na Figura 4 é apresentado um gráfico SHAP (SHapley Additive exPlanations) que mostra o impacto nos valores previstos devido a cada um dos parâmetros. Como se pode observar, os parâmetros que apresentam uma maior influência são a espessura e a pressão de injeção. No caso da espessura, valores elevados têm um impacto negativo no output, isto é, resultam num deslocamento mais baixo, enquanto a pressão apresenta o comportamento inverso.
Conclusões e referências na revista MOLDE 138 (julho 2023) >>>
Texto: J.F. Caseiro (CENTIMFE); R. Bernardo (TEMA — Centro de Tecnologia Mecânica e Automação, Universidade de Aveiro); T. Zhiltsova, J. Ferreira e V. Neto (TEMA / LASI — Laboratório Associado de Sistemas Inteligentes); P. Santos e J. Laranjeira (Moldit)