A indústria de moldes enfrenta um momento de grande instabilidade. De acordo com Stephan Berz, presidente da ISTMA Europe para o período 2025-2026, há todo um contexto de indefinição de tal forma instalado que considera que "confuso é o novo normal". O sector, acentua, atravessa um período de oscilações bruscas, tornando difícil para as empresas planear o futuro. A indústria automóvel, tradicionalmente um cliente fiável, deixou de oferecer essa segurança, e a conjuntura política global agrava a incerteza. A guerra na Ucrânia e as políticas dos Estados Unidos dificultam os negócios internacionais, enquanto a evolução tecnológica da China acrescenta pressão às empresas europeias. Paralelamente, defende, a digitalização impõe novos desafios, sendo um tema ainda subestimado por algumas empresas.
Por Helena Silva
Como avalia a situação atual do sector dos moldes, tanto na Europa como a nível mundial? Quais os principais desafios e tendências que identifica?
A indústria de moldes atravessa um momento difícil, com desafios globais e um instável ambiente de negócios. O sector automóvel, tradicionalmente um cliente fiável, deixou de ser previsível, dificultando o planeamento das empresas. A incerteza política também é um fator relevante, com situações como a guerra na Ucrânia e as políticas comerciais dos Estados Unidos a complicarem o acesso a mercados internacionais. Além disso, assistimos a um avanço significativo da China em termos industriais e tecnológicos, representando um novo desafio competitivo. Outro problema crítico é a alta de mão-de-obra qualificada, pois é necessário atrair uma nova geração para a indústria. Por fim, a digitalização está a transformar sector, mas muitas empresas ainda não a adotaram plenamente. Esta realidade global é marcada por instabilidade e por um ritmo acelerado de mudanças, tornando a adaptação uma necessidade constante. Diria, até, que está tudo muito confuso e ‘confuso’ é o novo normal.
A Alemanha tem sido historicamente o principal mercado para os moldes portugueses, sobretudo através da indústria automóvel. Como avalia a evolução deste mercado e quais os principais desafios que se colocam ao sector automóvel?
A indústria automóvel tem sido a principal cliente do sector de moldes, mas enfrenta desafios significativos. A transição para a mobilidade elétrica trouxe incertezas, pois, apesar do investimento, os consumidores ainda não aderiram totalmente a este modelo. Como resultado, as marcas precisam de manter também a produção de modelos a combustão, aumentando os custos e dificultando o planeamento.
O impacto na indústria de moldes é evidente, pois os fabricantes dependem da constante renovação dos modelos automóveis. No passado, novos modelos surgiam a cada três anos; hoje, os lançamentos são adiados ou cancelados, tornando o mercado imprevisível. Para agravar a situação, os produtores de moldes enfrentam aumentos de custos com matérias-primas e energia, enquanto os fabricantes de automóveis se recusam a ajustar os preços dos moldes, comprimindo as margens de quem produz. Esta pressão leva à procura de fornecedores mais baratos, com a China a consolidar-se como uma opção dominante. No entanto, há sinais de uma tendência de reaproximação local: o local to local está a ganhar importância. Durante a pandemia, quando a China encerrou temporariamente a sua indústria, muitas OEM procuraram fornecedores na Europa. Agora, com a instabilidade política e económica global, este movimento pode ganhar força, promovendo uma maior produção regional.
No seu entender, quais são os mercados (geográficos e sectoriais) em crescimento e aqueles que estão a enfrentar maiores dificuldades?
Atualmente, não há um sector ou um país que se destaque por um crescimento significativo. No melhor dos cenários, alguns mercados encontram-se estáveis, mas a maioria está sob pressão. O sector automóvel, em particular, protagoniza uma grande redução na sua procura por moldes. O mesmo acontece com os transportes e outras áreas industriais. Os fabricantes de moldes da Europa, como Portugal, Alemanha e Itália, sentem uma pressão crescente, especialmente aqueles mais dependentes do sector automóvel. Por outro lado, há indústrias que têm dado sinais de grande crescimento, como a médica, que tem apresentado um desempenho mais estável, impulsionada pelo envelhecimento da população e pela necessidade crescente de dispositivos médicos.
Como está atualmente a indústria de moldes na Alemanha? Quais as principais preocupações e que soluções estão a ser debatidas?
Na Alemanha, a indústria de moldes enfrenta vários desafios. O aumento dos custos energéticos e de produção tem sido um obstáculo significativo. Além disso, o debate sobre o plástico tem sido conduzido de forma mais emotiva do que factual, o que pode desmotivar as novas gerações a ingressar na indústria.
A indústria automóvel também está a transferir parte da sua produção para o Leste Europeu, tornando o cenário ainda mais desafiador. No entanto, a esperança reside na capacidade de adaptação e na valorização da engenharia e da inovação alemãs, que podem ser fatores-chave para a revitalização do sector.
A nível europeu, que medidas considera essenciais para que a indústria de moldes continue a singrar?
Os moldes estão a ser cada vez mais vistos como uma commodity, quando, na verdade, são um produto de alto valor tecnológico e estratégico para diversas indústrias. É essencial reforçar a consciência sobre a sua importância e demonstrar como influenciam a eficiência e a rentabilidade da produção industrial. Os fabricantes de moldes podem apostar em novos modelos de negócio, como a proximidade com os clientes desde a fase de conceção, e na ampliação dos serviços prestados, incluindo suporte ao longo do ciclo de vida do molde. Além disso, é fundamental repensar o core business das empresas, avaliando o que pode ser produzido internamente e o que pode ter origem exterior, maximizando a eficiência operacional.
Qual o papel da ISTMA Europa neste contexto?
A ISTMA Europe tem que reforçar a consciencialização para a importância do sector. Precisamos de chamar a atenção e abordar a relevância da fabricação de moldes para a indústria europeia e explicar a situação crítica atual. Precisamos de aumentar a nossa interação com o poder político e, ainda mais importante, junto dos grandes players (OEM) e clientes.
A ISTMA Europe pode ainda promover a colaboração entre os fabricantes de moldes, incentivando compras conjuntas de matérias-primas, partilha de produção e otimização de recursos. A diversificação sectorial e geográfica também é essencial para reduzir riscos e criar novas oportunidades de negócio. A crise que enfrentamos não é apenas um período difícil, mas uma mudança estrutural na indústria. Acredito que, na Europa, temos todas as condições necessárias para prosperar. Então, por que tentar fazer tudo sozinhos? Será que não faz mais sentido unirmo-nos e trabalharmos em conjunto como fabricantes de moldes? Isso leva-nos às mudanças necessárias para o sector. Os fabricantes de moldes conseguirão cooperar dessa forma? E quais as áreas mais importantes?
Acredito que esse terá de ser o caminho. Na minha opinião, há três questões essenciais:
• As compras conjuntas - Todos precisam de aço. Por que não comprá-lo em conjunto? Esta pode ser uma solução eficiente.
• A partilha da produção - Se tenho capacidade excedente de produção, posso partilhá-la ou cooperar com outros. O mesmo acontece com as máquinas: se não estão em uso total, podemos adquiri-las em parceria e maximizar a sua utilização.
• A diversificação - Sair da zona de conforto é essencial. Estar dependente de um único sector ou cliente é demasiado arriscado. A diversificação sectorial e geográfica deve ser uma estratégia de longo prazo, com resultados que só se tornam evidentes após, no mínimo, três a cinco anos.
Para concretizar estas mudanças, é crucial ter um plano estratégico bem definido. As empresas devem estabelecer objetivos claros sobre onde querem estar e para onde querem ir. Neste caminho, temas como a digitalização e produtividade surgem, naturalmente, como prioridades.
A sustentabilidade é um dos temas centrais para a indústria. De que forma irá impactar a indústria de moldes e a sua posição nas cadeias de valor globais?
A sustentabilidade é uma questão incontornável. Cada vez mais, os clientes exigem provas concretas das práticas ambientais das empresas. Esta é uma exigência crescente e, se não lhe dermos resposta, perderemos competitividade. Mas a sustentabilidade também traz benefícios: a redução de desperdício, a otimização dos transportes, a poupança energética e a refrigeração eficiente são alguns dos exemplos de como estas medidas podem aumentar a eficiência operacional. A digitalização e a automatização também desempenham um papel-chave, pois permitem integrar processos e melhorar a produtividade. Todas elas são um desafio, mas também uma oportunidade para o setor de moldes se reinventar e crescer.
Sendo esta uma indústria mundial, como pode ser definida uma estratégia comum para garantir que todos seguem a mesma direção, apesar das diferentes prioridades de cada região do globo?
Este é um dos maiores desafios. Não existe uma harmonização global clara, pois cada região, como os EUA ou a China, adota os seus próprios regulamentos e regras. No entanto, estas decisões individuais têm um impacto ambiental significativo a nível global. Para alcançar resultados positivos, é essencial que haja uma maior uniformização de normas e procedimentos. Se cada país continuar a atuar isoladamente, os esforços de sustentabilidade serão limitados e pouco efeito surtirão.
Existe um modelo de negócio mais sustentável que possa garantir a resiliência da indústria?
A sustentabilidade financeira é uma preocupação crescente para as empresas. Sobretudo se estão mais ligadas à indústria automóvel. As condições de pagamento na Europa chegam a estender-se por dois ou três anos após o envio dos moldes, criando dificuldades financeiras para muitas empresas.
Os fabricantes de moldes necessitam de suporte financeiro para manter a tesouraria equilibrada e investir em tecnologia. Sem investimento em automatização e equipamentos modernos, a competitividade fica comprometida. Por isso, é essencial sensibilizar os governos e as instituições europeias para criarem mecanismos de apoio financeiro às pequenas e médias empresas do sector. Sem este suporte, será difícil garantir a sustentabilidade da indústria a longo prazo.
Como podem as empresas tornar-se mais atrativas para captar e reter talento?
As associações do sector têm um papel fundamental em tornar a indústria de moldes mais apelativa para os jovens. Muitos desconhecem o sector e não fazem ideia do seu nível de inovação e desenvolvimento tecnológico.
Precisamos de iniciativas que aproximem as empresas das escolas e universidades, mostrando o potencial desta indústria. Os media também desempenham um papel essencial na mudança da perceção pública sobre a indústria. No entanto, tendo presente a dificuldade que é a mão-de-obra, torna-se ainda mais premente ponderar uma solução promissora que é a partilha de recursos. Faz sentido que as empresas colaborem e encontrem soluções conjuntas para otimizar os seus recursos humanos.