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02 Outubro 2025
31 Julho 2025
A crescente pressão por sustentabilidade, vinda de consumidores, entidades reguladoras e investidores, tem levado as organizações a repensar profundamente as suas práticas operacionais, culturais e estratégicas. A sustentabilidade deixou de ser um tema periférico e passou a ocupar o centro das decisões empresariais, não apenas por razões éticas, mas por estar diretamente relacionada à viabilidade económica de longo prazo. Nesse cenário, ferramentas como o Lean Manufacturing — tradicionalmente associadas à eficiência e à redução de custos — têm sido redescobertas como instrumentos fundamentais para promover operações mais sustentáveis.
Por Armando Bastos
A abordagem Lean, com seu foco na eliminação de desperdícios e na maximização do valor entregue ao cliente, apresenta-se como um caminho claro para alcançar os três pilares da sustentabilidade: ambiental, social e económico. Os princípios centrais do Lean — definição do valor sob a perspetiva do cliente, mapeamento do fluxo de valor, criação de fluxo contínuo, produção puxada e busca pela perfeição — permitem repensar processos de forma sistémica. A eliminação dos oito tipos clássicos de desperdício (superprodução, espera, transporte, excesso de processamento, inventário, movimento, defeitos e pessoas) traz impactos diretos na redução de consumo energético, uso de materiais, tempo e mão-de-obra, além de melhorias nas condições de trabalho e na qualidade dos produtos.
Estudos apontam que o conhecimento profundo sobre ferramentas Lean potencializa os seus efeitos sustentáveis. E demonstram que as organizações, com profissionais formados nesta área, que conhecem e apoiam-se na aplicação correta das ferramentas, na fase correta, são mais propensas a perceber essas ferramentas como catalisadoras de práticas sustentáveis.
A UTILIZAÇÃO EFICIENTE DE FERRAMENTAS DE CORTE
Em ambientes industriais, a utilização eficiente de ferramentas de corte representa um dos maiores desafios operacionais e também uma oportunidade estratégica de melhoria contínua. Imagine uma célula de maquinação padrão que utiliza diversas ferramentas, em que o tempo de ciclo é dominado por movimentos sem valor, conhecidos na literatura Lean como Non-Value-Added (NVA). Estes NVA incluem procura de ferramentas, caminhadas até armários, paragens para setup, paragens para ajustes de parâmetros, retrabalho, entre outros tempos, inclusive de espera. Para além de internamente estarem disponíveis ferramentas com características semelhantes, dos mais diversos fornecedores.
Cada segundo desperdiçado nestas atividades representa não só horas perdidas anualmente, como também custos elevados com matérias-primas, energia, desgaste prematuro da máquina e aumento de variabilidade na qualidade. Facilmente se demonstra que mais de 50 % do tempo de ciclo é composto por NVA, o que coloca uma urgência incontornável em redirecionar esforços analisando quais os processos que devem ser eliminados ou automatizados.
As causas desta ineficiência são multifacetadas. Muitas fábricas apresentam layouts inadequados: ferramentas guardadas longe do local onde são efetivamente necessários, sem separação clara entre ferramentas em uso e reservas, nem organização visual tipo Kanban para reposição — forçando o operador a várias rondas até localizar os itens necessários.
A gestão do tempo de vida da ferramenta é frequentemente reativa ou inexistente, ao ponto de substituir-se ferramentas ainda com vida útil ou ignorar o desgaste até a falha ocorrer, provocando refugo e paragens não planeadas.
O setup das máquinas costuma estar desenhado sem pensar em eficiência e partes do processo, como a fixação de peças ou calibração, são executadas com a máquina parada, enquanto deveriam ser preparadas em paralelo (atividades externas). Atividades externas não padronizadas, ausência de preparação de ferramentas, arranjo aleatório de componentes, entre outros, ilustram um círculo vicioso de improdutividade. Acresce a ausência de monitorização contínua, com ausência de monitorização de desgaste ou condições da máquina o que impede a identificação precoce de alto desgaste ou problemas na fixação.
A falta de formação sistemática e definição de método padrão causa para que cada operador faça da forma que lhe parece melhor, sem standard definido, sem identificação de desperdícios. O resultado destas lacunas é espantoso, sendo clássico observarem-se setups de hora(s), paragens prolongadas, lead times instáveis, altos níveis de stock em WIP, custos diretos elevados e uma capacidade de resposta ao mercado que fica comprometida, inviabilizando a flexibilidade que os mercados exigem.
A UTILIZAÇÃO SUSTENTÁVEL DAS FERRAMENTAS LEAN
Entre as mais conhecidas estão o 5S, Kaizen, Just-in-Time e SMED, enquanto outras como o VSM (Value Stream Mapping – Mapeamento de Cadeias de Valor), Kanban e TPM (Total Productive Maintenance – Manutenção Produtiva Total) ainda são menos utilizadas, especialmente na vertente ambiental. Isso evidencia que, para além da aplicação técnica, o verdadeiro valor do Lean surge quando alinhado com uma cultura organizacional forte, um compromisso com a aprendizagem contínua e uma visão estratégica orientada para a sustentabilidade.
O ponto de partida essencial para qualquer transformação Lean sustentável é o diagnóstico preciso. O VSM é uma ferramenta poderosa para identificar ineficiências nos fluxos de valor e impactos ambientais ocultos. Um exemplo emblemático dessa aplicação é o de uma empresa produtora de veículos, que ao mapear sua linha de produção no norte da Europa, descobriu que apenas 2 % do tempo total de ciclo agregava valor. A reestruturação baseada em 5S, SMED e melhoria de layout levou a uma redução de 35 % no lead time, com economia substancial de energia. Da mesma forma, uma empresa ligada ao setor alimentar utilizou o VSM para integrar emissões de carbono à análise dos seus fluxos, conseguindo incluir critérios ambientais nas decisões operacionais.
A transformação operacional com ferramentas Lean ocorre em múltiplas frentes. O 5S, por exemplo, é frequentemente o ponto de partida e tem impacto direto em áreas como ergonomia, segurança, uso de materiais e tempo. Numa empresa em Portugal associada a componentes para indústria automóvel, a implementação do 5S levou a uma redução de 80 % no tempo de procura por ferramentas, diminuição de acidentes em 60 % e economia de 15 % no consumo de papel e plásticos de embalagem — tudo isso com alto envolvimento das equipas operacionais.
Outra ferramenta-chave é o SMED, que reduz significativamente o tempo de setup, permitindo maior flexibilidade e menor consumo energético. Uma reconhecida marca, na sua unidade no Brasil, aplicou o SMED nas linhas de estampagem e conseguiu reduzir o tempo médio de setup de 90 para 12 minutos. Isso não só gerou economia de mais de 200 horas/mês de tempo de máquina, como também possibilitou a adoção de lotes menores e mais adaptáveis, favorecendo o uso de materiais recicláveis e a redução de obsolescência.
O TPM, por sua vez, é fundamental para a confiabilidade e eficiência energética dos equipamentos. Uma reconhecida empresa na Suíça, aplicou essa abordagem numa linha de produção e conseguiu reduzir em 40 % as paragens não planeadas, recuperar 28 % de embalagens anteriormente descartadas e ainda reduzir em 6 % o consumo de energia. A manutenção proativa e participativa promove não só a produtividade, mas também a redução de desperdícios e falhas.
Empresas mais maduras estão a avançar na integração do VSM com indicadores ambientais — o chamado VSM Ambiental. Essa abordagem permite mapear, além dos fluxos de valor, dados como consumo energético, emissões de CO2, geração de resíduos e uso de água.
No entanto, nenhuma ferramenta Lean é eficaz sem o suporte de uma cultura forte e de uma liderança comprometida.
KAIZEN – FILOSOFIA COM PROTAGONISMO DOS COLABORADORES
O Kaizen — filosofia da melhoria contínua com protagonismo dos colaboradores — também mostra resultados tangíveis. Numa empresa ligada à aviação, operadores treinados em ciclos Kaizen propuseram o fecho automático de compressores e instalação de sensores de presença. Em apenas três meses, o consumo elétrico foi reduzido em 19 %. A capacidade de envolver o “chão de fábrica” na resolução de problemas contribui fortemente para criar uma cultura de sustentabilidade operacional.
Apesar do vasto potencial, a jornada Lean-Sustentabilidade ainda enfrenta desafios. A subutilização de ferramentas como VSM e TPM, o conhecimento superficial das equipas e a desconexão com indicadores de sustentabilidade impedem resultados sistémicos. O futuro exige que se vá além da produtividade: é necessário mapear fluxos ambientais com a mesma precisão dos fluxos produtivos, automatizar medições com sensores e inteligência artificial, e integrar os princípios ESG (Environmental, Social and Governance) ao pensamento Lean.
Esses exemplos mostram que a integração entre Lean e sustentabilidade não é apenas viável, mas cada vez mais essencial. O sucesso, porém, depende de fatores como comprometimento da liderança, capacitação das equipas e adaptação contextual das ferramentas. O Lean não é um fim em si mesmo, mas um meio para construir uma organização mais eficiente, resiliente e ambientalmente consciente.
Em suma, o Lean é muito mais do que uma metodologia de produção enxuta. Quando aplicado com profundidade, competência e compromisso, torna-se uma poderosa alavanca para a sustentabilidade económica, ambiental e social. As ferramentas Lean não servem apenas para eliminar desperdícios operacionais, mas também para reduzir impactos ambientais e promover ambientes de trabalho mais seguros, motivadores e inovadores. A transformação sustentável não depende de grandes investimentos isolados, mas da soma de pequenas melhorias diárias feitas por pessoas capacitadas em contextos que valorizam a excelência e a responsabilidade. O Lean, neste contexto, é a linguagem comum entre a eficiência e a consciência — entre resultados e responsabilidade. O caminho está traçado. O desafio é percorrê-lo com integridade, visão de longo prazo e paixão pela melhoria contínua.
Armando Bastos é consultor sénior e diretor da ASBastos Consultoria. Tem experiência consolidada em funções de gestão da produção e de operações em diversas empresas nacionais e internacionais das áreas dos plásticos e metalomecânica. É docente e formador certificado.